E O FIM HISTÓRICO DE PORTUGAL.
Os comunistas e os socialistas portugueses falam dos 229 dias para abater o fascismo em Portugal, desde 9 de Setembro de 1973 até ao golpe de estado militar de 25 de Abril de 1974, isto é, desde o dia em que 136 capitães, tenentes e alferes, transportando-se burguesmente nos seus carros e em carros dos seus camaradas, se reuniram secretamente num palheiro de uma rica propriedade rural do Alentejo, pertencente à família de um deles, para falarem das suas reivindicações profissionais, até ao dia em que eles fizeram o golpe contra a Nação.
A História falará dos 229 dias da incubação da traição. O golpe de estado de 25 de Abril, a que primeiro eles começaram por chamar o «movimento dos capitães» seguindo-se o nome «Movimento das Forças Armadas» («M.F.A.»), terminando por «Revolução dos Cravos» começou por um descontentamento mercenário que abriu fendas na disciplina militar e que, a um certo momento, dada a extensão da indisciplina, procurou revestir-se de uma explicação política conferindo-lhe, aos olhos da Nação, do povo, e do mundo uma aparência de honestidade e de significado nacional.
Os delineamentos da crua realidade, o que não chegou ao conhecimento do povo português e do estrangeiro, senão sob aspectos intencionalmente mal definidos, ou muito furtivos ou, moralmente disfarçados. O número de cadetes, frequentando a academia militar donde saíam os oficiais do quadro permanente, diminuía consideravelmente, o que criava problemas, dada a existência do “terrorismo” no Ultramar. A insuficiência de capitães e de oficiais subalternos obrigava o governo português, presidido pelo prof. Marcello Caetano, a recorrer aos oficiais antigos milicianos, isto é, ao quadro complementar vindos da condição civil, estudantes universitários e alguns tendo mesmo já os seus diplomas de nível superior, os quais já tinham feito o serviço militar, no Ultramar com o posto de alferes.
Eles tinham sido colocados na reserva com o posto de tenentes e, alguns, de capitães. Estes oficiais milicianos, se quisessem entrar no quadro permanente, frequentavam um curso intensivo de dois anos na academia militar, após o qual eram integrados no quadro permanente como alferes graduados em capitães. Ora, os cadetes da academia militar frequentavam o curso normal de quatro anos que lhes dava o posto de alferes.
Havia apesar de tudo um sistema moral de compensações - justificáveis - porque o miliciano acabava o curso intensivo lá pelos 25-35 anos, enquanto que o cadete acabava o curso normal por volta dos 20 anos , o miliciano integrado no quadro permanente entrara na academia militar com uma preparação universitária parcial, ou até completa tendo obtido o respectivo diploma, enquanto que o cadete entrara apenas com uma preparação liceal. O miliciano já tinha passado pelo Ultramar e ia pela segunda vez, enquanto que o cadete, é evidente, não tinha ainda estado lá. Mas, o que era decisivamente importante, e de uma importância moral inegável, é que a Pátria sustentava uma guerrilha que lhe era imposta, o que justificava medidas transitórias e de circunstância com o fim de suprir a falta de oficiais. Os militares que, após o 25 de Abril e o desastre económico que a sua incompetência provocou, fariam apelo, eles próprios, aos sacrifícios da Nação, não quiseram compreender as graves circunstâncias especiais relativas ao acesso do miliciano ao quadro permanente.
Os militares exigiam, por exemplo, que os oficiais que foram milicianos (e que tinham frequentado a academia militar entre os 25 e os 35 anos), não fossem promovidos a capitães, sem que os oficiais vindos dos cadetes e que terminaram os cursos da academia militar aos 20 anos, não tivessem sido promovidos a capitães. E, falando do «prestígio do exército», das «perspectivas finais» de uma carreira militar «atraente» [1]. Os «capitães» colocaram todo o problema de um modo puramente mercenário: em causa estavam exigências de salários mais deslumbrantes e outras regalias para os seus futuros. Esta passagem é tirada de um anexo à circular do movimento dos capitães, datada de 23 de Outubro de 1973, isto é, seis meses antes do golpe de 25 de Abril. Até àquela data, a indisciplina ligada às reivindicações mercenárias tinha-se limitado a ameaçar o governo com a demissão colectiva dos oficiais de todas as graduações e de todas as armas, segundo se lê nos n˚s 8 e 11 da circular de 23 de Outubro de 1973. A ideia de defender a Pátria tinha sido posta de lado. Como fazer desta vergonha um caso justificável perante a Nação? Só a partir de 24 de Novembro de 1973 é que o tenente-coronel Ataíde Banazol, que devia partir dentro em pouco, em serviço militar para a Guiné portuguesa, sugere numa reunião de capitães, a viragem do comportamento mercenário ao comportamento político com a ideia de uma intentona contra o Estado. Ele queria que imediatamente se agisse, e apresentou o seu programa que não foi aprovado, mas a ideia de uma politização civil no seio destes militares espalhou-se constantemente: «explicava-se pelo facto de o seu Batalhão seguir para África antes do fim do ano.
Mais tarde, já na Guiné, o tenente-coronel Banazol leva a sua impaciência ao ponto de contactar os camaradas do grupo, no sentido de tomar conta de Bissau e fazer negociações directas com o PAIGC» [2]. Tudo isso mostra, antes de mais, a extensão da indisciplina dos oficiais desse grupo que, não contentes em se oporem à maneira pela qual os milicianos eram integrados no quadro permanente, negociavam segundo a lei da oferta e da procura, em que o comprador era o governo que representava a Pátria, a Nação que pagava, e em seguida, mostram o deslizar para a política, enganando os mais ingénuos, através de uma estratégia que, é necessário dizê-lo, não conquistou imediatamente a compreensão de todos os oficiais. O major Sanches Osório, que fez parte desse grupo e, é hoje, um dissidente desiludido e um exilado político, diz no seu livro publicado em Espanha, referindo-se a um momento em que a ideia política estava já lançada, que o major Vítor Alves tinha apresentado um programa que continuava a ser; «uma síntese dessas reivindicações... Já não podia limitar-se ao facto de propor aumentos salariais ou melhoramentos nas condições sociais [condições sociais dos militares]» [3]. Tratava-se já de uma espécie de obsessão ao nível do homem-massa, no pior sentido desta expressão, que se não poderia fazer aceitar à Nação senão através de uma politização. E esta politização não podia deixar de ser a que se opunha ao Estado vigente. Se este regime fosse uma democracia pluralista ou um socialismo, tendo por tanto outro contexto de acção político-social, a indisciplina mercenária militar finalizaria na institucionalização do comunismo com forma de regime autoritário, ou seja, um levantamento militar que atentou contra a Pátria tomando o poder pelas armas. É inegável que o processo da traição desenvolveu-se em duas fases bem delimitadas: o da reivindicação profissional, de 9 de Setembro a 24 de Novembro de 1973, passando á politização, de 24 de Novembro de 1973 a 25 de Abril de 1974. A prova disso está no facto de os oficiais vindos dos milicianos, e nos quais predominavam as ideias esquerdistas, se oporem às reivindicações dos oficiais vindos dos cadetes da academia militar, uns e outros se insultando mutuamente e constantemente.
Os oficiais vindos dos milicianos alertavam a Nação e pediam para os chefes militares tomarem um atitude de firmeza; «para com aqueles que leviana, injustificada, discriminatória e anti-regulamentarmente estão a minar o moral, a cavar fossos, a cortar amarras, a criar castas no seio do exército que tem sido unido e que só de o ser, tem permitido que a barca Nacional corte rectilineamente os ventos da história» [4]. Notemos neste texto que os seus autores, considerados como sendo os mais esquerdistas, baptizam de ultra-direitistas os oficiais vindos dos cadetes e gabam-se de serem os defensores do Ultramar Português! Por outro lado, os «capitães» chamam «capatazes de guerra» aos milicianos, considerando-os como oficiais de qualidade inferior [5], e reivindicam, também os títulos de principais defensores do Ultramar!: «Mais do que ninguém em Portugal têm desde a primeira hora do conflito em que a Nação está empenhada, contribuído para a sua perenidade» [6]. Tudo isso pertencia, portanto, à fase da reivindicação profissional desencadeada pelos «capitães», em que a linguagem patriótica parecia ser o mínimo necessário para se manter a decência militar.
No entanto, o carácter de tipo mercenário das reivindicações comprometia visivelmente uma linguagem de patriotismo e de «prestígio» das forças armadas, precisamente no momento em que a Pátria exigia o sacrifício e a compreensão. O interesses sobre carreiras profissionais dominou sobre os interesses da Pátria. Praticamente, foi só a partir do mês de Dezembro de 1973 que começaram a orientar as reivindicações «para qualquer coisa de mais vasto, de mais largo do que as simples reivindicações profissionais» [7]. Uma vez que este caminho foi seguido pelo grupo fraccionário, tudo agora vai exibir um aspecto novo. A infiltração dos oficiais esquerdistas, comunistas, socialistas, vai conduzir a indisciplina mercenária total do movimento (que, aliás, trabalhava já no seu seio a traição) à mais abominável e vergonhosa traição que a História conhece e, é isso que vai conciliar ao nível político, os oficiais milicianos comunistas e esquerdistas e os oficiais do quadro permanente também comunistas e esquerdistas, enquanto que eles se opunham ao nível das reivindicações profissionais.
Mas a Nação na sua enorme maioria não é comunista, e apenas deseja uma democratização segundo o exemplo das nações do mundo ocidental e livre. Mantêm-se portanto certas aparências tácticas através de um plano de mentiras: falar-se-ia ao país e à opinião internacional em termos de uma democracia pluralista (para a parte europeia de Portugal), e de uma autodeterminação descolonizadora (para o Ultramar Português) que seria sistematicamente falseada. Após a rejeição do programa redigido, ou praticamente redigido pelo major Vítor Alves, o major Melo Antunes, ligado ao «Movimento Democrático Português» (que se transformou em satélite do «Partido Comunista Português»), e que pretendia o abandono puro e simples do Ultramar, sem autodeterminações e sem discussões, abandono simplesmente de territórios e povos, redigiu um novo programa - onde interveio uma comissão constituída por oficiais esquerdistas, nos princípios do mês de Abril de 1974, o movimento dá conhecimento deste programa aos generais Costa Gomes e António de Spínola que sugerem algumas alterações, declarava que a solução no Ultramar era política e de maneira nenhuma militar, do livro do General Spínola [8].
Havia que defender uma solução digna e de uma grande importância histórica, sobretudo após a situação de facto criada pelo 25 de Abril; mas isso opunha-se aos planos de apropriação do movimento dos capitães pelos esquerdistas e comunistas - o que era o essencial para estes, e que estava acima, para estes também, da ideia de Pátria. E assim o trama desenvolveu-se fora do conhecimento da Nação até ao momento em que o movimento das forças armadas tomou o poder e tirou a máscara. Mas o esboço do processo da traição não apresentaria todas as suas essenciais linhas, se não se falasse do que se sabe do comportamento destes dois generais durante os meses e os dias que imediatamente precederam o golpe de estado: o comportamento do general Costa Gomes com a ideia preconcebida da traição (os factos confirmaram-na) que vai até romper com o seu maior amigo, o general Spínola: e o comportamento deste último general que, pela sua boa fé, pelas suas lamentáveis fraquezas, pela exagerada confiança nele próprio e no seu carisma, julgando-se capaz de dominar e controlar finalmente os acontecimentos, deixou-se apanhar nas armadilhas que os outros lhe arranjaram. Dois meses antes do golpe de estado de 25 de Abril, o general Spínola reafirmou a Marcello Caetano que era: «um militar disciplinado que não participava em conspirações nem dava golpes de Estado», e o general Costa Gomes dizia pessoalmente a Marcello Caetano que este devia: «continuar a fazer o sacrifício de estar no governo».
No dia 14 de Março (mês e meio antes do 25 de Abril), o general Costa Gomes, aderia, como praticamente todos os oficiais generais que foram pessoalmente prestar fidelidade ao governo, ao princípio que as forças armadas deviam subordinar-se à realização dos objectivos nacionais fixados pelos órgãos que a constituição reconhecia; simplesmente «tinha relutância em vir publicamente tomar um compromisso em nome das Forças Armadas sem as consultar, muito embora concordando em que o princípio fazia parte da ética militar (mas, argumentava, por isso mesmo não era preciso reafirmá-lo)», e o general Spínola explicava a sua ausência pela «fidelidade que julgava dever ao seu chefe imediato» que era o general Costa Gomes, chefe do estado-maior general, Spínola sendo o vice-chefe [9]. Ora, desde o dia 5 de Março de 1974, para não citar senão datas incontestáveis ou incontestadas até hoje, Costa Gomes e Spínola estavam já ao corrente do programa do movimento: «a partir desta data iniciava-se um vaivém de cópias do programa para os generais Costa Gomes e Spínola, os quais iam propondo alterações, depois discutidas pela Comissão Coordenadora do Movimento» [10], já no mês de Agosto de 1973 ou, nos primeiros dias do mês seguinte (oito meses, mais ou menos, antes do golpe de estado militar), o general Costa Gomes informou Marcello Caetano que ele tomara contacto directo com o movimento dos capitães (nessa altura tratava-se ainda de um movimento de indisciplina mercenária e de reivindicações profissionais) e que ele lhes assegurara que «tomaria daí por diante a defesa da causa deles» [11].
Estava-se, ainda longe da politização. E, desde os seus começos, o movimento tratava-se ainda, repito-o, de uma indisciplina de tipo mercenário de reivindicações profissionais, tinha certamente uma ligação indirecta com Spínola, através de alguns dos seus adeptos que faziam parte do movimento [12]. Todas estas maquinações são repugnantes, ainda que se saiba que o general Spínola, ao contrário do general Costa Gomes, tinha os seus escrúpulos: emitindo a sua opinião sobre as reivindicações profissionais dos capitães, o general Spínola não deixou de lhes dizer: «que, embora tivessem razão, eles estavam a ultrapassar os limites da disciplina militar, na medida em que se tinham agrupado como força de pressão da base e até pretendiam formar uma «Ordem de Oficiais» e fomentar uma «Associação de Sargentos». Errado - pensava ele - porque, em vez de se acreditar na capacidade de recuperação da estrutura militar, pretendia-se introduzir um processo de «reivindicação sindical» que desarticularia a instituição» [13].
Era o bom senso.
Chegados à fase final da politização do seu movimento de massa - no sentido mais pejorativo do termo -, politização da qual se pôs em evidência a trama, os capitães teriam hesitado entre o general Costa Gomes, que eles achavam, não sem razão, mais sensível aos seus fins e que era já o seu conselheiro [14], e o general Spínola [15], para escolherem aquele que seria o chefe do movimento; mas, graças ao seu incontestável prestígio e finalmente graças ao sucesso que obteve o seu livro «Portugal e o Futuro», a escolha caiu no general Spínola. Logo que venceu o golpe de estado militar de 25 de Abril, o general Spínola tornou-se presidente da junta de «Salvação Nacional», e também presidente da República.
Proclamou-se aos quatro ventos que as forças armadas tinham deposto, sem um só tiro, o «fascismo» em Portugal. Para os entendidos o «fascismo» é um regime totalitário, portanto um regime ditatorial, que, entre outras características fundamentais, tem a seguinte: O regime fascista é sustentado pelo exército, pela força das armas, que, adquirem a preponderância política. Pôr-se-á portanto o problema de saber qual era a espécie de fascismo que as forças armadas depuseram em Portugal, já que não dispunha do seguro aparelho militar de que dispõem todos os fascismos, e não eram politizadas e, que começara já há muito tempo a esforçar-se por pôr o exército à margem da política e do governo da Nação. Propaganda comunista usada para instrumentalizar os incautos.
Com efeito «a partir da promulgação da Constituição Política de 1933 o Dr. Salazar procurou sempre afastar as Forças Armadas da acção política, embora mantendo um militar na Presidência da República como elemento de contacto e como fiador da observância da doutrina do regime» [16].
Esta estratégia era absolutamente oposta aos métodos fascistas, e comunistas, em que a carreira militar, pelo papel que tem na própria defesa dos regimes fascistas, e comunistas, não pode deixar de ser materialmente atraente, bem paga. Havia, certamente, uma polícia política, a «Polícia Internacional e de Defesa do Estado», e mais tarde a «D.G.S.», mas em caso de oposição entre a polícia política e o exército, não se pode de maneira nenhuma dizer que este predominava sobre primeira. É que Salazar contava com o seu prestígio pessoal.
Angola era, então, um grande país, pacífico, próspero e muito rico, em que as populações de todas as cores e etnias confiavam firmemente nas forças armadas a que tinha sido entregue a sua defesa. Logo após o 25 de Abril, porém, as fronteiras foram franqueadas ao inimigo, os europeus e movimentos que lhes eram afectos foram desarmados, e permitida a livre entrada de tropas e armas para os movimentos terroristas ao mesmo tempo que se determinava, unilateralmente, um cessar fogo que, no dizer de um dos mais proeminentes vultos do movimento, correspondia a renunciar a ganhar a paz aceitando perder a guerra. Nessa altura a FNLA passou a ser abertamente abastecida e municiada pelo Zaire, pelos Estados Unidos, e pela China, a UNITA pela Zâmbia e pela China. O MPLA - comunista - passou a ser abastecido pelas forças armadas portuguesas e pelos países comunistas» [17].
Tudo se passou ao mesmo nível de traição na Guiné portuguesa e em Moçambique, e, de uma maneira mais discreta, ainda que com a mesma significação no plano moral, em Cabo Verde e em Timor [18], como em S.Tomé e Príncipe (territórios onde nem sequer havia terrorismo).
A FNLA - que sucedeu à sinistra UPA de trágica memória - agonizava em pequenos redutos montanhosos do Congo, abandonada pela população, vivendo de abastecimentos e municiamentos que à custa de dificuldades sem conta que o Zaire lhe fazia chegar às mãos.
No Leste, pouco povoado, fugindo à animosidade da população local e às forças do exército a UNITA [outro movimento terrorista] arrastava-se de floresta para floresta mercê do auxílio que recebia da Zâmbia. O MPLA [um terceiro movimento terrorista-comunista] tinha umas centenas de simpatizantes na cintura industrial de Luanda. Normalizar a vida cívica do País implicava, pois, necessariamente, a redução das Forças Armadas ao seu papel de instrumento ou meio de realização dos objectivos nacionais fixados pelos órgãos a que a Constituição desse competência para o fazer» [19].
Assim, contrariamente ao que se passa nos regimes comunistas e nos regimes verdadeiramente fascistas, que não podem subsistir sem a força brutal de um exército ao seu serviço e, por conseguinte, bem paga, em Portugal com o fim da guerrilha no Ultramar a carreira militar tinha deixado de ser atraente; «O exército já não constituía uma carreira de promoção social». Conclui-se que a condição de vida ou de morte de um regime fascista (ou comunista), isto é, a existência de um exército bem pago, não existia já em Portugal, e o governo português tinha-a descurado ao ponto de provocar as reivindicações profissionais donde saiu o golpe de estado.
O próprio carácter militar deste golpe de estado confirma-o. Em 25 de Abril de 1974 não havia portanto fascismo em Portugal: o que havia, era um regime que continuava a ser paternalista, e onde não tinha cabimento os partidos esquerdistas-comunista que, por ideologia, é anti-democrático e anti-liberal.
Se o governo do Professor Dr. Salazar se mantinha graças ao seu extraordinário prestígio pessoal, apesar de todas as críticas de que foi alvo, e ele estava politicamente acima de um exército, a razão era do grande prestígio do professor de Coimbra. Pelo medo que a maioria da Nação tinha do futuro, em face a um crescente domínio no mundo pelo comunismo. O paternalismo autoritário que, ao mesmo tempo, se esforçava por não precisar do apoio comprado das forças armadas habituadas, em Portugal.
Os espíritos superficiais e facciosos falam, para explicar a facilidade do golpe de estado de 25 de Abril, de um estado fascista «apodrecido» [20]: Em vez de falarem de o que estava podre, e trágicamente podre, era o exército.
É por isso, ainda, que, tendo transformado um movimento de tipo mercenário num golpe de estado político, as forças armadas enganaram a Nação; porque, apresentando-lhe um programa democrático aberto a todos os partidos e a toda a discussão de ideias, ainda que tendo suas lacunas e seus subterfúgios, as forças armadas nada fizeram democraticamente; tudo foi feito demagogicamente, como em todos os fascismos ou em todos os comunismos.
Aliás o programa «prestava-se a ser interpretado de diferentes maneiras»: Que o professor Palma Carlos (chefe do primeiro governo provisório) pediu que se lhe explicasse o sentido da «estratégia antimonopolista» inscrita no programa (uns entendiam-na no sentido neocapitalista, e os outros prestavam-lhe um matriz comunista), ninguém lho soube explicar claramente [21].
Tratava-se de uma ambiguidade intencional ou de ausência de ideias precisas? Um ponto que os militares golpistas desejavam era o de não se permitir partidos políticos, mas somente associações, ou movimentos políticos que, mais tarde, poderiam dar origem a partidos. «Este ponto, aliás, é muito claro no Programa» [22]; adivinha-se, aí, a ideia de manter as forças armadas como árbitro permanente da situação política militar:
No que diz respeito à imprensa, à rádio, à televisão, ao teatro e ao cinema, o programa põe-nos sob controle das forças armadas, criando uma comissão ad-hoc para impedir e punir (e que foi feito, indo até à suspensão ou supressão de jornais) a «agressão ideológica», isto é, toda a crítica perturbando a opinião pública, isto é, oposta aos militares e, por conseguinte proveniente (assim se decretava) «dos meios mais reaccionários».
O programa, que rendo parecer democrático, está, no seu conjunto, mal elaborado, cheio de lugares comuns, de enunciados intencionalmente vagos ou incompletos, e demagógicos, de uma esperteza saloia que denuncia bem o fim de fazer dos militares-parasitas os únicos amos e os principais exploradores da Nação e dos trabalhadores explorados em regime totalitário. Mas, sem experiência política e, sem cultura política, não puderam libertar-se dos partidos (naturalmente dos partidos de esquerda que visavam o totalitarismo) e, então, por sua vez, os militares foram os joguetes destes partidos e das suas rivalidades.
E TUDO FOI TRAÍDO: A NAÇÃO, O POVO, E A HISTÓRIA!
E a Nação foi dominada por criminosos, por corruptos, e por ladrões, transformada neste pandemónio ao mesmo tempo trágico, grotesco e carnavalesco. Os generais que tinham até então prestígio, pela traição acabaram por serem queimados, e odiados, perderam o carisma, incapazes de salvar o que se poderia ainda salvar!
Em todo este processo de traição conduzindo ao 25 de Abril e às suas consequências, é necessário distinguir os militares que bem tiveram consciência da traição cometida, e, foram muitos; os que se deixaram enganar pelas palavras; e os que, sem qualquer convicção política, teriam continuado a olhar sobretudo os seus interesses ligados à Pátria. A ingenuidade, a fraqueza de carácter e a estupidez de uns, fizeram com que eles fossem pastoreados pela ambição e a astúcia dos outros.
Mas a História inexorável julgará a todos segundo as suas responsabilidades e dirá quem, de entre eles, valerá mais. Os factos, propriamente políticos, que dizem respeito à mudança do regime em Portugal, e ao abandono (e sem dignidade) do Ultramar Português e das populações brancas que o fizeram, interpenetram-se; mas foi este último que deu o golpe decisivo na existência histórica de Portugal.
Entendo por existência histórica de um país a sua realidade efectiva na História, com a contribuição que este país deu ou dá à cultura e à civilização. Considerando a dialéctica massa-elite (cap. I) no plano das nações, direi mesmo que, uma Nação de existência histórica é uma Nação-elite, contrariamente às Nações-massas às quais falta relevo suficiente e significação especial na História. Não quero dizer que uma Nação-massa não possui necessariamente homens-elite capazes de contribuir para o progresso da cultura e da civilização do mundo; mas sem homens-elites que façam valer certas circunstâncias favoráveis, nenhuma atingirá, jamais, o nível de uma existência histórica de Nação-elite.
Portugal, que tinha uma existência histórica, feita e mantida pela vontade, apenas, dos seus heróis e dos seus grandes homens, foi destruída, ao fim de quase mil anos: "pela vontade dos seus pequenos homens, um bando de crápulas, analfabetos – esquerdistas, e traidores - os militares de um exército podre, que colocaram os seus interesses pessoais, ou salariais acima da Pátria".
Os militares do golpe contra o Estado e os seus cúmplices ou comparsas comunistas e socialistas, divulgaram, em Portugal e no estrangeiro, que a guerrilha no Ultramar estava perdida, e para sustentarem essa horrenda mentira, invocaram até o general António de Spínola. O que é falso: o general Spínola nunca escreveu tal coisa. Num dos seus livros publicado em 1972, escreveu: «Numa guerra deste tipo de guerrilha, as forças da ordem ganham-na se a não perderem, assim como a subversão a perde se a não ganhar», e alguns meses antes do golpe de estado, no seu livro «Portugal e o Futuro», escreveu: «Às Forças Armadas apenas compete, pois, criar e conservar pelo período necessário - naturalmente não muito longo - as condições de segurança que permitirão soluções político-sociais, únicas susceptíveis de pôr termo ao conflito».
A verdade é que nas vésperas do golpe de 25 de Abril de 1974, isto é, «no dia 24 de Abril de 1974, o terrorismo em Angola estava definitivamente esmagado.
Reduzindo abruptamente Portugal a um pequeno território da Península Ibérica, arrancando-lhe o mundo geográfico da sua missão cultural e civilizadora, os militares traidores provocaram o traumatismo nacional da sua demissão histórica, o fim da sua existência histórica, em duas palavras: o fim histórico de Portugal.
Vários partidos políticos portugueses associaram-se plenamente a esta traição e crime, os partidos comunistas e o partido socialista, eles devem ser devidamente estigmatizados.
Outros partidos, praticamente calaram-se perante esta traição e os sucessivos crimes, devem ser também devidamente chamados ao julgamento da História.
Vários partidos políticos portugueses associaram-se plenamente a esta traição e crime, os partidos comunistas e o partido socialista, eles devem ser devidamente estigmatizados.
Outros partidos, praticamente calaram-se perante esta traição e os sucessivos crimes, devem ser também devidamente chamados ao julgamento da História.
[1] Avelino Rodrigues, Cesário Borga, Mário Cardoso, O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril (Lisboa, Moraes, 1975), p.332-n.
[2] Sanches Osório, El engaño del 25 de Abril en Portugal (Madrid, Sedmay Ediciones, 1975), p. 23.
[3] Documentos difundidos no mês de Julho de 1973. [4] Anexo à circular de 23 de Outubro de 1973.
[5] Exposição dos capitães da Guiné portuguesa, datada de 28 de Agosto de 1973 e dirigida ao presidente da república (Américo Tomás), ao presidente do conselho (Marcello Caetano) e a outros membros do governo. A palavra «perenidade», no texto, refere-se, para ter um sentido, à palavra «Nação» e não a «conflito». Os actuais militares portugueses vindos dos cadetes da academia militar, não sabem, em geral, escrever.
[6] Vid. entrevista de Otelo Saraiva de Carvalho in «Expresso» (Lisboa, 27 de Julho de 1974).
[7] Sanches Osório, ibid., pág. 25.
[8] Id., ibid., pág. 50.
[9] Marcello Caetano, Depoimento (Rio de Janeiro - São Paulo, Record, 1974), pág. 202.
[10] A. Rodrigues, C. Borga, M. Cardoso, O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril (Lisboa, Moraes, 1975), pág. 19.
[11] Marcello Caetano, Depoimento (Rio de Janeiro - São Paulo, Record, 1974), p. 187. - O livro do prof. Marcello Caetano, do qual eu tiro estas notas, respira a verdade dos factos e a honestidade. Rara mente um vencido escreveu um depoimento tão sereno como o do prof. Marcello Caetano; não contém uma única palavra onde transpareça ódio contra os seus adversários; a palavra mais dura que aí se pode encontrar é a que se refere ao secretário-geral do partido socialista português: era «um apagado advogado… Mário Soares, de seu nome, não representava grande coisa no País - salvo a influência das forças estrangeiras que o manobravam». Depoimento é um livro cheio de interesse histórico escrito por um verdadeiro português e patriota: não se o pode negar, se se quiser ser honesto, mesmo que não se esteja de acordo com as ideias políticas do seu autor.
[12] A. Rodrigues e outros, ibid., p. 269. - Este livro é perfeita mente favorável ao movimento reivindicativo dos capitães, mas o que importa são a exactidão das datas e a objectividade dos factos para uma interpretação objectiva.
[13] A. Rodrigues e outros, ibid., pág. 273.
[14] Id., ibid., pág. 274.
[15] Id., ibid., pp. 333-4.
[16] Renzo De Felice, Comprendre le Fascisme, trad. do italiano por Marc Baudouy (Paris, Seghers, 1975), pág. 25.
[17] Albert-Alain Bourdon, Histoire du Portugal (Paris, P.U.F., 1970), pág. 116.
[18] Marcello Caetano, ibid., p. 202.
[19] A. Rodrigues e outros, ibid., p. 15.
[20] Sanches Osório, El Engano del 25 de Abril en Portugal (Madrid, Sedmay Ediciones, 1975), p. 53.
Rogéria Gillemans.